Fui chegando sorrateira, ela estava como sempre , com o vestido de bolinhas brancas em um fundo preto ( já desbotado na altura do umbigo- cicatrizes do tanque de lavar roupas e da pia da cozinha) caminhando léguas entre a pia de granito vermelho e branco e o fogão de lenha que ficava no canto esquerdo, ao lado da porta da cozinha , quase embaixo da pequena janela que não ventilava em nada aquele minúsculo cômodo da casa:
-Vó – arrisquei.
– Fala Marluci.
– Qual é a pior emoção que uma pessoa pode sentir?
Ela parou de mexer a colher de pau no caldeirão de ferro (o cheiro inconfundível do feijão da vovó Lucinda). Olhou-me e sorriu.
Enxugou as mãos no pano de prato que trazia pendurado no ombro esquerdo e aproximou-se de mim.
– E sentir que você não é nada na vida de alguém que é tudo na vida pra você.
Foi até a geladeira e pegou uma garrafa de água vazia que eu tinha acabado de esvaziar, e como sempre guardava vazia, na geladeira porque eu sabia que alguém iria encher o que eu esvaziei…
Colocou a garrafa em minha frente.
– Pra que serve essa garrafa vazia pra quem tem sede?
-Pra nada… eu respondi (envergonhada—lá vinha uma lição)
-Pois é … a coisa funciona assim. As vezes nós somos a garrafa para alguém, A garrafa que aguenta o frio e que é buscada com avidez por quem tem sede, mas só pelo o que a gente pode dar pra quem tem sede. Só a água gelada. Não é a nós que a pessoa quer , é o que podermos dar pra ela, e outra garrafa também pode fazer isso. Sem contar que depois de vazia nem pra matar a sede a gente serve… Quando a gente ama e não é amado por quem a gente ama é o sentimento de inutilidade, de desprezo, de desamor… essa é a pior coisa. Tem muita gente que pra não sentir isso fica mimando filho, marido, neta…(e riu…) Assim a gente tem a sensação de que nunca vai ser inútil…
Olhei pra ela com carinho. Mas calei o pensamento.
Em seguida argumentei:
– Vó , eu pensei que o ódio fosse a pior emoção que a gente podia sentir.
– Ódio não é emoção, Marluci. Ódio é sentimento. Emoção é o que o sentimento provoca na gente. O ódio provoca o medo em quem recebe ele e provoca amargura e frieza em quem sente ele. Entendeu?
( Como era sábia minha avó Lucinda)…
– Você quer que eu faço mate queimado pra você?
– Vó… (abracei ela pela cintura) Eu nunca vou gostar de você só porque você faz mate queimado pra mim…
Senti seu beijo em minha cabeça.
…..
Hoje penso: Vó, nunca ninguém fez mate queimado pra mim… Só você!